terça-feira, 23 de outubro de 2012

Mesa Redonda



Num presente em que o único laboratório de revelação de película em Portugal — a Tobis Portuguesa — foi declarado insolvente e um colectivo de realizadores, liderado por André Gil Mata, se apresta a fundar o Laboratório de Cinema Independente como forma de garantir que realizadores, fotógrafos e artistas plásticos possam utilizar película como suporte de trabalho, o Doclisboa 2012 organizou, esta tarde, uma mesa redonda com o intuito de debater, segundo a organização do Festival, dois pontos urgentes:

1) o papel contemporâneo da película no Cinema;
2) e a possibilidade da existência, no nosso país, de um laboratório independente.

Moderada por Luís Miguel Oliveira, os contributos dos vários convidados (abaixo elencados juntamente com o fulcral das suas intervenções) permitem concluir o longo debate — e o de hoje marcou três horas certas sem interrupções — que esta temática, agora e no futuro, continuará a suscitar.

Nicolas Rey, co-fundador do atelier colectivo L'Abominable, foi uma das vozes mais favoráveis quanto à ideia de um Laboratório de Cinema Independente: quando algo começa pequeno mas revela-se único, a tendência será sempre de ou crescer ou surgirem outras iniciativas semelhantes. Por outras palavras, poder-se-ia assistir a um "efeito-dominó" na criação de instituições com a capacidade e vocação para o fornecimento e revelação de filme em película.

Por várias vezes, e noutros meios, se pode ler que a película estará irremediavelmente desaparecida em 2014. Contudo, Cristina Pereira, da Kodak Portugal, enfatizou que a divisão de cinema da marca continuará a produzir película — estão firmados, aliás, contratos de fornecimento até 2015 — e que a rentabilidade da empresa tem sido alcançada através de cortes cirúrgicos nos custos de produção. Tal explica, em certa medida, o facto de a Kodak não produzir película no nosso país. "A película sempre existirá. Pode não ser Kodak, mas continuará a existir" acabou por ser a frase-chave da sua intervenção.

A questão premente e, aparentemente, de árduo consenso da preservação e restauro cinematográficos pela película foi abordada por Rui Machado, director do Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (ANIM). Numa época em que este "laboratório de preservação" (distinguindo-o das especificidades de um laboratório de produção como a Tobis) assume-se como um dos últimos inteiramente analógicos da Europa, e pela ausência de sintonia entre as instituições museológicas de Cinema — muitas das quais rendidas ao digital —, advoga-se a importância do papel que a Fédération Internationale des Archives du Film (FIAF) poderá desempenhar na negociação com os fabricantes, de modo a assegurar uma contínua produção de película com fins de preservação e restauro de obras apenas existentes em nitrato ou diacetato de celulose.

Com um ponto de vista inteiramente pessoal sobre a matéria em discussão, José Manuel Costa, subdirector da Cinemateca Portuguesa, não está tão optimista quanto ao futuro da película a curto prazo ("estamos a assistir ao fim de um mundo"). Com os arquivos fílmicos a abandonarem incondicionalmente o analógico, e pelo risco da perda eminente de uma identidade da memória do Século XX como só a película soube registar, cabe às cinematecas conquistar o poder de escolherem com que material pretendem trabalhar: "a película não é uma questão de direito, mas sim de vontade e, posteriormente, de prática".

A visão de um cineasta, nesta matéria, ficou a cabo de Manuel Mozos, realizador de XAVIER (1992) ou RUÍNAS (2010). Admitindo vantagens e interesse de se filmar em digital (sobretudo, na captação de som), espera, contudo, que a película e o seu fabrico permaneça. E remata: "faz falta um laboratório industrial 'à portuguesa'".

O passado, presente e futuro da Tobis mereceram, também, longa discussão. Ainda segundo José Manuel Costa, as máquinas pertencentes àquele laboratório de produção foram adquiridas, em Setembro passado, pelo Estado com o intuito de serem transferidas para o ANIM — um processo ameaçado pelas mediáticas limitações (financeiras, recursos humanos, etc.) que a Cinemateca enfrenta. Tiago João Silva, em representação da Tobis, foi parco mas contundente na descrição actual da empresa: o processo de liquidação está em curso, as máquinas seladas e desligadas, tudo "à espera de um destino".

Houve espaço, também, para a partilha de opiniões que marcam esta dicotomia película/digital:

. que um cineasta, independentemente da sua idade e estatuto, possua a liberdade de escolher o formato com que pretende trabalhar, e que essa sensibilidade seja transmitida aos estudantes de Cinema;
. do ponto de vista da qualidade e do respeito à obra original, o restauro digital não é inteiramente controlável — em muitos dos casos, são restauros que poderiam ser efectuados analogicamente;
. por razões económicas, a luta pela película está a diminuir ("o analógico é um trabalho de resistência");
. e a quase provocadora noção do ambíguo contributo do digital para a restauração do som: pelo desaparecimento de uma grande fatia de matrizes de áudio, "as vozes famosas, e que julgamos conhecer tão bem, são escutadas de forma muita distante da original".

No final, e como é habitual num debate sobre o futuro da película, as interrogações são mais que as conclusões. Apenas a certeza de que o "trabalho de resistência" para os amantes da película — e o Fórum Doclisboa esteve, hoje, repleto deles — está para durar.

5 comentários:

  1. Tive muita pena de não poder estar presente nesta mesa redonda pelos motivos que sabes. Junto-me a essa resistência.
    Excelente resumo para quem não foi (e para quem foi também).

    Cumprimentos cinéfilos :*

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  2. Pode ser que esta tenha sido a primeira de várias iniciativas, no nosso país, dedicadas ao tema. E a surgirem, que possas marcar presença :)

    Obrigado pelas palavras, este trabalho "jornalístico" não é muito o meu forte :P

    Cumps cinéfilos :*

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  3. Mas garanto-te que te saíste muito bem. :)

    Cumprimentos cinéfilos :*

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  4. Pode não ser o teu forte mas está muito bem, elucidativo. Abraço!

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