sábado, 21 de julho de 2018

Filmes Perdidos Portugueses: Nascimento Fernandes — VIDA NOVA, MÚSICO e DETECTIVE POR AMOR



Numa pesquisa ponderada sobre o tema, subjaz a impressão de que a historiografia do Cinema Português tem dedicado escassas linhas ao percurso e obra de Manuel Fernandes do Nascimento, mais conhecido pelo pseudónimo Nascimento Fernandes. A sua presença efémera no Cinema poderá ser uma justificação para este facto, dado que o actor desenvolveu carreira maioritariamente no teatro.

Apesar disso, revela-se importante destacar o trabalho de Nascimento Fernandes no grande ecrã. Não só figurou no elenco de O RAPTO DE UMA ACTRIZ (1907, Lino Ferreira), encarado como o primeiro filme português de ficção e do qual já demos conta neste espaço, como somou presenças em títulos de realce da cinematografia portuguesa, entre eles LISBOA, CRÓNICA ANEDOTA (1930, Leitão de Barros), ANIKI-BÓBÓ (1942, Manoel de Oliveira) ou A VIZINHA DO LADO (1945, António Lopes Ribeiro).

Em Setembro de 1918, enveredou pela produção cinematográfica, através da fundação da Portugal Films.



Juntamente com a sua mulher, a também actriz Amélia Pereira, Nascimento Fernandes viaja para Barcelona1 a fim de realizar VIDA NOVA, uma "comédia-vaudeville", cujo argumento, assinado por João Bastos, Ernesto Rodrigues e Félix Bermudes, era assim resumido pelo próprio realizador numa página do jornal A Capital:

«Nascimento está em Portugal a passar a estação calmosa e tem anunciada a sua próxima partida para Barcelona onde vai por conta de uma empresa portuguesa fazer um filme. Um amigo vem procurá-lo, a quem ele confessa não ser de uma fita cinematográfica que se trata, mas de uma paixão cinematográfica. Vira uma artista que lhe deu no goto, num filme, sabe que está em Barcelona e vai procurar conquistá-la. Não querendo que sua mulher saiba do caso, inventou aquela patranha.»2

VIDA NOVA estreou em Lisboa, no Éden Teatro, a 22 de Maio de 1919, tendo conhecido exibições no Porto (mais concretamente, no Teatro Carlos Alberto), Espanha e Brasil.



Da passagem de Nascimento Fernandes por Barcelona, contam-se igualmente a realização de NASCIMENTO, MÚSICO, uma comédia em duas partes sobre os "desastres e contrariedades que acontecem a um pobre tocador de trombone"3, e NASCIMENTO, DETECTIVE POR AMOR, cuja rodagem ficou inacabada por, segundo conta José de Matos-Cruz4, a actriz principal ter fugido para Buenos Aires.

Dos três filmes acima citados, não sobreviveu até aos nossos dias qualquer fragmento fílmico, registando-se apenas, para a posteridade, outro filme produzido por Nascimento Fernandes nos estúdios da Royal Film: NASCIMENTO, SAPATEIRO, cujos materiais encontram-se actualmente preservados.

A brevidade da incursão de Nascimento Fernandes pela produção cinematográfica poderá também explicar-se por motivos meramente financeiros. Tal como é notado no obituário do actor, publicado no Diário de Lisboa, a estreia de VIDA NOVA "não correspondeu ao dinheiro que custou". Não obstante o seu insucesso enquanto empreendedor, e recordando a marca que imprimiu nos seus papéis em ANIKI-BÓBÓ e A VIZINHA DO LADO, fica o repto para que este texto, seguramente de forma singela, contribua para o registo do seu nome como "um dos maiores e mais esquecidos actores da primeira metade do Século XX"5.

Notas:
1 Concretamente, nos estúdios da Royal Film, numa cidade que, à época, era o principal centro do negócio cinematográfico na Península Ibérica.
2 in Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949, de Félix Ribeiro (1983, Cinemateca Portuguesa).
3 e 4 in O Cais do Olhar, de José de Matos-Cruz (1999, Cinemateca Portuguesa).
5 in Dicionário do Cinema Português 1895-1961, de Jorge Leitão Ramos (2011, Editorial Caminho).

Imagens:
1 Nascimento Fernandes; Anos de Ouro do Cinema Português.
2 Imagem originalmente publicada em Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949.
3 NASCIMENTO, MÚSICO; CinePT — UBI.

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