quarta-feira, 6 de março de 2019

A Febre do Arquivo #4: JOHN MCENROE: IN THE REALM OF PERFECTION (2018, Julien Faraut)



Mais do que um filme composto por imagens de arquivo, JOHN MCENROE: IN THE REALM OF PERFECTION é um documentário sobre arquivos. Em concreto, uma introspecção por via das infindáveis horas de metragem registadas ("em glorioso 16mm") por Gil de Kermadec, documentarista e responsável máximo pelo "departamento de audiovisual" da Federação Francesa de Ténis que, ao longo de décadas, dedicou-se ao projecto de direccionar, exclusivamente, as suas objectivas para os melhores atletas que progrediram na terra batida de Roland Garros, com o intuito de, posteriormente, desenvolver filmes técnicos acerca do desporto.

Assim, Kermadec acumulou um impressionante arquivo fílmico, de cuja quantidade e armazenamento físico o documentário nos dá conta, e do qual Julien Faraut seleccionou momentos, dentro e fora dos courts, protagonizados pelo inconfundível John McEnroe. Nesse contexto, invocando Jean-Luc Godard ("cinema lies, sports doesn’t", citação do cineasta conforme apresentado no intertítulo que descerra o filme) ou os escritos sobre a cinética do ténis da autoria do crítico Serge Daney (um inusitado aficionado da modalidade), deparamo-nos com a explanação das singulares capacidades e atitudes do tenista norte-americano, através de um conjunto de segmentos que confundem o tutorial desportivo com a mais básica das lições de Cinema.



Das sequências mais elaboradas do documentário, a memória retém, quase imediatamente, as que não só contextualizam a técnica de John McEnroe, como fazem depreender o quanto este filme raia o ensaísmo: para demonstrar a aptidão psicomotora do atleta, somos servidos de freeze frames, efeitos Kuleshov, repetição dos mesmos momentos vistos de ângulos diferentes, slow motions, entre muitos outros mecanismos que recordam os mecanismos mais específicos do Cinema quando comparado a outras expressões artísticas.

Neste processo, o imenso acervo compilado por Gil de Kermadec é, portanto, mais um testemunho da relevância e "polivalência" que a arquivística das imagens em movimento possui. Seja para a compreensão do perfil de determinada personalidade — e, aqui, o colérico poder de explosão de McEnroe está plenamente identificado — ou pelas amplas possibilidades técnicas que um arquivo fílmico proporciona, JOHN MCENROE: IN THE REALM OF PERFECTION revela-se, assim, como um excitante tomo para os cânones do documentário found footage.

[Imagens: UFO Production / Oscilloscope Laboratories.]

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