sábado, 20 de julho de 2019

A Febre do Arquivo #6: Apollo 11 (2019, Todd Douglas Miller)



"I do say that space can be explored and mastered without feeding the fires of war, without repeating the mistakes that man has made in extending his writ around this globe of ours.

There is no strife, no prejudice, no national conflict in outer space as yet. Its hazards are hostile to us all. Its conquest deserves the best of all mankind, and its opportunity for peaceful cooperation may never come again.

(John F. Kennedy)

Da diversa iconografia que, habitualmente, é destacada para a definição dos acontecimentos marcantes do Século XX, as imagens da chegada de Neil Armstrong e Buzz Aldrin à Lua, a vinte de Julho de mil novecentos e sessenta e nove, contam-se entre as mais célebres, reproduzidas e escrutinadas dos últimos cinquenta anos. Nesse mesmo período de tempo, versando sobre a Apollo 11, multiplicaram-se filmes e séries documentais, gizou-se literatura fotobiográfica, ensaios históricos e recriações em banda desenhada, e até se desenvolveram jogos de computador.



É, portanto, no seio de uma abundante produção historiográfica (e não esquecendo a existência de footage cujo paradeiro ainda nos "esquiva") que APOLLO 11 imprime novo fôlego a um tema já merecedor de variadas abordagens. Inteiramente composto por materiais de arquivo, nos quais se inclui metragem filmada pela NASA em 70mm que nunca conheceu apresentação pública, o grande trunfo do documentário de Todd Douglas Miller reside, precisamente, numa montagem daquele acervo fílmico capaz de reconstruir o arrebatamento que o mundo então nutriu em torno da missão e objectivos da Apollo 11.

APOLLO 11 esboça, acima de tudo, a dinâmica e profusa narração audiovisual da cadeia de acontecimentos: das impressionantes imagens em 70mm (os momentos na plataforma de lançamento ou a visão do entusiasmo dos populares que então observaram o evento ao vivo são, neste grande formato, particularmente impressionantes) aos filmes captados por operadores que, literalmente, circularam pelos responsáveis da missão na sala de controlo do Centro Espacial Kennedy, do material recolhido pelas câmaras de 16mm que acompanharam os três astronautas à sua extensa cobertura televisiva, o trabalho de reconstituição — por vezes, ao ínfimo segundo — executado por Todd Douglas Miller suplanta os conceitos básicos do documentário histórico. Na verdade, mesmo que todos saibamos o desfecho e os protagonistas da missão da Apollo 11, permanecerá no espectador o tangível sentimento de novidade.



Nesse âmbito, é obrigatório enfatizar o percurso e a recuperação da metragem em película de 70mm tratada pela produção de APOLLO 11. Armazenadas durante décadas nos cofres do National Archives, em cento e setenta e sete bobines rotuladas de forma insuficiente — nas caixas, "Apollo 11" era o único elemento identificador do seu conteúdo —, o facto de estas imagens nunca terem sido exibidas (com a excepção de breves fragmentos incluídos no documentário MOONWALK ONE) foi, aparentemente, motivado pela impossibilidade técnica, por parte da NASA, de trabalhar em grandes formatos fílmicos.

Não obstante os anos em que esteve votado ao "esquecimento", a preservação desse material provou ser melhor que a ideal. A digitalização de fotogramas em 16mm, 35mm e 70mm, num perfeito estado de conservação, e respectivo tratamento por Todd Douglas Miller e a sua equipa de edição, revela APOLLO 11 não só enquanto puro filme de montagem — fundindo e expandindo os limites do cinéma vérité e do cinema directo enquanto géneros documentais — mas, sobretudo, como (mais uma) pragmática demonstração do poder dos suportes analógicos para a "retenção" da memória da Humanidade.



Fruto do trabalho de arquivo congregado em APOLLO 11, o filme providencia uma interpretação fresca e alternativa de um dos eventos mais importantes do século passado, um absoluto testemunho fílmico de desenvolvimento e progresso científicos, ao mesmo tempo que não sonega o contexto temporal em que as suas imagens foram registadas — isto é, os últimos meses da década de sessenta, quando os sucessos tecnológicos da NASA galvanizaram a psique norte-americana, vincada pela Guerra do Vietname e consequente inquietação social, por segregação racial, pela ausência de igualdade de género (Margaret Hamilton, a única mulher envolvida no projecto Apollo 11, ganha peculiar destaque na montagem de Todd Douglas Miller) e pela esperança em torno do fim da Corrida Espacial.

APOLLO 11 é produto para ser visto em grande ecrã e, nesse aspecto, importa lamentar a impossibilidade (não só no nosso país) de o visualizar nesse contexto. Formatos de exibição à parte, a mensagem e o poder de atracção do filme permanecerão, decisivamente, nos originais analógicos que os sustêm.

[Imagens: National Aeronautics and Space Administration (NASA) / CNN Films / Statement Pictures.]

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