segunda-feira, 23 de outubro de 2017

DAWSON CITY: FROZEN TIME (2016, Bill Morrison)



Se Bill Morrison parece abdicar da poesia sensorial que despontava em, por exemplo, DECASIA (2002), DAWSON CITY: FROZEN TIME não deixa de ser um profundo objecto de elogio à perseverança da película em nitrato.

A redescoberta, em 1978, de mais de 500 bobines de película inflamável, preservadas desde os anos 20 no permanente gelo da região remota de Yukon, e que possibilitou a visualização de filmes considerados perdidos durante décadas, revela-se como mais uma eloquente prova da resistência do formato.

Os sinais de degradação na película podem ser evidentes (o documentário é maioritariamente constituído por excertos deste "achado arqueológico"), mas as narrativas, os rostos, as heroínas do cinema mudo, as "variedades", os escândalos desportivos, os news reels e as emoções de uma época são inteiramente perceptíveis, do primeiro ao último minuto de DAWSON CITY: FROZEN TIME, num magnífico reencontro do nitrato com a quente luz do projector.



O passar dos anos é ilustrado pelas imagens recuperadas em Dawson City, as quais são complemento ou oposição aos acontecimentos realçados, numa simples mas vívida linearidade cronológica: do primeiro momento em que se encontrou ouro nas margens do Rio Yukon, à constituição de uma corrida ao outo por aventureiros e exploradores (com direito a apropriadas referências a A QUIMERA DO OURO, de Chaplin, ou a notável curta documental de Colin Low e Wolf Koenig, CITY OF GOLD), e culminando nos sucessivos negócios de entretenimento que surgiram e encerraram naquela cidade — salas de exibição de Cinema incluídas —, o nitrato ganha uma nova vida, adquirindo leituras alternativas, líricos contornos e irónicos contextos face ao nosso presente.

A principal novidade, a nível formal, será mesmo o recurso à estrutura discursiva aqui mobilizada por Bill Morrison. Nenhum outro documentário anterior seu exibiu tanta informação através de legendas descritivas. Mas tal não menoriza a importância da imagem em celulóide, a matéria-prima fundamental do realizador, enquanto símbolo e unidade de preservação da memória "em movimento" da Humanidade.

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