sábado, 7 de outubro de 2017

DIE FILMPRIMADONNA: Do Controlo Artístico em Nitrato



Contam-se pelos dedos das mãos os títulos que dedicaram atenção ao agora quase extinto processo de produção em película. Maioritariamente, o foco do Cinema, em relação ao analógico, detém-se na nostalgia do solitário projeccionista de filmes em 35mm — CINEMA PARAÍSO, de Giuseppe Tornatore, é o exemplo mais clássico —, tornando-se num autêntico exercício testemunhal de uma actividade quase desaparecida.

Dada essa escassez, é sintomático notar que o filme que, muito provavelmente, melhor alia a imagem de glamour das divas do grande ecrã com o rigor artístico e científico da revelação de película tenha estreado em 1913, do qual se desconhece o paradeiro de uma versão completa, e que dá pelo título de DIE FILMPRIMADONNA:



"Produto" do matrimónio do cineasta dinamarquês Urban Gad com a actriz Asta Nielsen, uma das primeiras estrelas internacionais do Cinema, DIE FILMPRIMADONNA não sobreviveu na íntegra até aos nossos dias, sendo apenas possível observar os singelos dezassete minutos acima publicados1. Todavia, e de modo fortuito, este "excerto" fornece-nos um olhar privilegiado sobre os métodos de produção de filme nas primeiras décadas do Século XX.

Na sequência em que a "film star", Ruth Breton, inspecciona a película revelada do seu mais recente filme, demonstrando aprovação ou desagrado pelos resultados finais, DIE FILMPRIMADONNA elabora, também, uma primordial reflexão sobre a própria forma de arte que então despontava2.

O intertítulo que serve de introdução a estas cenas não podia ser mais eloquente: "Where the films are developed". Na sala escura ou no interior do laboratório fílmico, a câmara de Urban Gad observa um labor técnico que não só serve para, curiosa e jocosamente, apresentar uma actriz com tanto controlo artístico que até a sua figura no nitrato tinha de ser escrutinada, como de precioso testemunho histórico das metodologias subjacentes à produção cinematográfica nos seus primórdios.


A importância de DIE FILMPRIMADONNA, convém sublinhar, extravasa o seu próprio estatuto de curiosidade histórica. Naquilo que se poderia apelidar de inusitado exemplo de metacinema, o fragmento do filme que hoje sobrevive exibe, a certa altura, um pequeno conjunto de fotogramas vincadamente danificado pela deterioração do nitrato — ou "síndroma do vinagre" —, que abaixo se reproduz na forma de gif animado.


No que toca ao incremento da consciência das várias comunidades cinematográficas, em torno da conservação e preservação do Cinema em película, não me parece exagero destacar DIE FILMPRIMADONNA como um título que, actualmente, merece análise ao seu fundamental simbolismo.

Uma obra que enfatizou a (então) arcaica execução da sua própria arte — elevada a parte essencial de como os performers, nos anos 10 do século passado, construiam uma personagem e imagem públicas —, que não só viu a sua versão integral desaparecer com o tempo, como se revela caso paradigmático da principal forma de degradação que aflige a imagem em movimento registada na película de nitrato.

Notas:
1 Da estimativa de 1429 metros de comprimento do filme original, dois fragmentos sobreviventes são conhecidos: uma cópia de 255 metros de comprimento, com cenas do primeiro acto, é propriedade da George Eastman House. O Nederlands Filmmuseum possui um fragmento de 89 metros de comprimento do primeiro acto.
2 É curioso observar como o Cinema desta época olhou, frequentemente, para a sua própria arte. Vejam-se os exemplos de THE BIG SWALLOW (1901) ou SHERLOCK JR. (1924).

Imagens:
1 Deutsche Kinemathek.
2 Silents, Please!.
3 George Eastman Museum.

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