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"Contratado" em Abril de 1918 pela Invicta Film, Georges Pallu foi um dos principais realizadores estrangeiros que se fixaram em Portugal, nos anos 10 e 20 do século passado, como medida para o impulsionamento da então pueril e inexperta indústria cinematográfica do nosso país1. Formado pela escola da Film d’Art francesa, e tendo adquirido experiência profissional enquanto funcionário de produção e fabrico de material de cinema na Pathé Frères, Pallu era descrito como um "homem probo, fino de trato, impecável nos seus contactos humanos (…) mantendo com tacto, aprumo e compreensão pelo trabalho alheio uma posição de grande dignidade e de profunda simpatia que lhe granjearia, durante todo o período da sua larga presença entre nós, um ambiente de respeito e de completa adesão"2.
Durante a sua permanência em Portugal, e até ao seu regresso a França em 1925, Georges Pallu assinou catorze longas-metragens (nomeadamente, adaptações de obras literárias do Século XIX), e prestou ocasionais colaborações em produções nacionais; foi, por exemplo, o responsável pela montagem de MULHERES DA BEIRA, de Rino Lupo). Desta "filmografia nacional", destacam-se AMOR DE PERDIÇÃO (1921), OS FIDALGOS DA CASA MOURISCA (1921) e CLÁUDIA (1923), três títulos que, tanto pelos seus moldes de produção como por terem conhecido projecção além-fronteiras, marcaram o legado da actividade da Invicta Film e, por inerência, as próprias História e metodologias do Cinema Português.
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Desta produção, e à semelhança do sucedido com parte considerável do espólio cinematográfico português daquele período, contam-se cinco longas-metragens de Georges Pallu das quais não é possível encontrar o paradeiro de qualquer material fílmico. Para além de O COMISSÁRIO DE POLÍCIA (abordado anteriormente neste espaço), encontram-se desaparecidos O MAIS FORTE (1919), O AMOR FATAL (1920), QUANDO O AMOR FALA (1921) e A TORMENTA (1925).
E em conformidade com o seu "estatuto" de filmes perdidos, também não subsistiu até aos nossos dias, infelizmente, documentação pormenorizada sobre a produção, a rodagem ou a opinião pública em torno dos títulos hoje sublinhados. Pelo que a exposição dos detalhes desses quatro filmes pode ser assim sumarizada:
- O MAIS FORTE Filme de ambiente dramático sobre "a vida real em Portugal"3, supõe-se que tenha sido produzido com o intuito de testar recursos humanos e mecânicos da Invicta Film, decorrentes da instalação de um novo complexo na Quinta da Prelada, no Porto. Protagonizado por Duarte Silva e Alfredo Henriques, dois populares actores de teatro da época, a narrativa estava dividida em três partes numa metragem total de 1500 metros;
- O AMOR FATAL Co-produção entre a Invicta Film e o Diário de Notícias, no seguimento de um acordo estabelecido entre as duas partes para a adaptação ao grande ecrã de folhetins publicados naquele jornal. Drama em quatro partes, a sua "campanha promocional" prometia um filme emocionante "cuja intensidade máxima de sensação é uma cena de transfusão de sangue". Estreou em Lisboa (Chiado Terrasse e Olympia) e no Porto (Jardim Passos Manuel) em Outubro de 1920. Alves Costa descreveu-o4 como um "filme fraco" e que serviu, muito provavelmente, de tubo de ensaio para "um empreendimento de maior fôlego: a adaptação ao cinema do romance de Camilo, «Amor de Perdição»";
- QUANDO O AMOR FALA Exibido em Lisboa, no Cinema Condes, em Outubro de 1921, tratar-se-ia de uma comédia em duas partes e, segundo algumas fontes, "interessante e despretenciosa";
- A TORMENTA Produzido numa altura em que a actividade da Invicta Film já sentia os efeitos de dificuldades económicas, o argumento do filme foi expressamente escrito por Paulo Osório, então correspondente do Diário de Notícias, e pelo qual lhe foi paga a quantia muito razoável, para a época, de dois mil escudos. Melodrama convencional, descrito como um "confronto de paixões funestas e ambições desmesuradas, que culmina na barra do tribunal, onde — à sombra da justiça — se esbatem os conflitos entre o bem e o mal"5, a sua produção apresentava, segundo Manuel Félix Ribeiro6, "um gabarito muito apreciável" do ponto de vista técnico e um trabalho de actores com "excelente apuro". Conheceu exibição pública em Junho de 1925, no Cinema Condes em Lisboa.
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Dada a relevância de Georges Pallu para a compreensão da nossa cinematografia, e pelas circunstâncias de uma filmografia "retalhada" por títulos perdidos, talvez se afigure premente o desenvolvimento de trabalho de investigação acerca do percurso e destino final das cópias dos seus filmes. Pese embora o processo, algo convulso, que envolveu a declaração de insolvência da Invicta Film em 1931, ainda existem réstias de esperança.
Na edição de 2 de Junho de 1931 do jornal O Primeiro de Janeiro, foi colocado um anúncio, intitulado "IMPORTANTE LEILÃO de aparelhos e máquinas cinematográficas, etc., da extinta Sociedade Invicta Film" e no qual se levava a hasta pública, entre outros artigos, "filmes completos negativos e positivos: dramas, comédias, panorâmicas e documentários". Estaria neste rol o cinema desaparecido de Georges Pallu?
Notas:
1 Sobre o trabalho de cineastas franceses que se fixaram em Portugal, recomenda-se a leitura de Lion, Mariaud, Pallu: Franceses Tipicamente Portugueses, de Tiago Baptista (org.) (2003, Cinemateca Portuguesa).
2 in Invicta Film — Uma Organização Modelar — 1917-1924, de Félix Ribeiro (1973, Secretaria de Estado de Informação e Turismo/Cinemateca Nacional).
3 e 5 in O Cais do Olhar, de José de Matos-Cruz (1999, Cinemateca Portuguesa).
4 in Breve História do Cinema Português (1896-1962) (1978, Instituto de Cultura Portuguesa).
6 in Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949, de Félix Ribeiro (1983, Cinemateca Portuguesa).
Imagens:
1 Cartaz promocional para O AMOR FATAL. Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949, de Félix Ribeiro (1983, Cinemateca Portuguesa).
2 Georges Pallu em 1945. Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949, de Félix Ribeiro (1983, Cinemateca Portuguesa).
3 Os actores Maria Clementina e António Pinheiro, numa cena de A TORMENTA. Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949, de Félix Ribeiro (1983, Cinemateca Portuguesa).
Agora vamos ver onde andam esses artigos leiloados... :)
ResponderEliminarCumprimentos cinéfilos :*